Deserto do Saara
Viagem ao Deserto do Saara
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Rumo ao Deserto do Saara

Dirigir de Marrakesh até Erg Chebbi, último povoado antes do Deserto do Saara, é uma experiência castigante, mas, paradoxalmente, prazerosa e inesquecível. Não subestime a distância de aproximadamente 600 quilômetros, que em outras partes do mundo poderiam ser completados em por volta de seis ou sete horas. Atravessar o território marroquino, do meio do seu sudoeste até o extremo-sul é um desafio, com as dificuldades e imprevistos que vão se apresentando ao viajante, por mais que o trajeto tenha sido pesquisado e planejado.

Col du Tichka

De Marrakesh a Ouarzazate, são aproximadamente 200 quilômetros — o que pode fazer o desavisado supor que se trata de um simples passeio de pouco mais de duas horas. Nada disso. Parte-se de Marrakesh, a 466 metros de altitude e chega-se a Ouarzazate, a 1.151 metros acima do nível do mar, não sem antes trafegar por uma estrada sinuosa, a N9, com subidas, descidas, curvas fechadas e cuja qualidade do piso varia muito: trechos esburacados, pontos bem pavimentados, partes de terra e muita poeira, pedaços cobertos por pedregulhos…

A N9 é uma das principais estradas de Marrocos e também uma das mais pitorescas do mundo, já que por ela se atravessa a Cordilheira do Atlas, para se chegar ao caminho que leva ao Deserto do Saara. Aliás, é o único caminho. Construída em 1936 por franceses para ser uma estrada militar, a estrada tem mais de 100 curvas.

O primeiro trecho desta jornada liga Marrakesh a Tizi n’Tichka (Passo n’Tichkaou, ou Col du Tichka em francês). Trata-se de um tradicional local de parada de viajantes para descansar e tirar algumas fotos, já que é o ponto mais alto da estrada na Cordilheira do Atlas. As placas estão escritas em francês, resultado da colonização ocorrida entre 1911 e 1956, quando o país conquistou sua independência política.

Pela janela do carro, vê-se nas margens da rodovia retratos do Marrocos original, um tanto diferente do que se encontra em cidades turísticas como Marrakesh, Casablanca e Fez. A população em sua maioria é islâmica e se dedica principalmente a atividades agrícolas ou extração de minerais (quartzo, ametistas e ágata, entre outros) ou mesmo pedaços de rochas fossilizadas, com vestígios de insetos ou pedaços de ossos de animais maiores.

Kasbah

Próximas à rodovia, há construções que guardam as características milenares da cultura berbere — os primeiros habitantes das terras marroquinas, sendo que muitas das etnias possuíam hábitos nômades (como os touaregs). São os kasbah, edificações que guardam muitas semelhanças com os castelos medievais europeus.

Os kasbah possuíam grandes muralhas, residências imponentes que eram habitadas por sultões e também casas menores, ocupadas por seus serviçais. Suas formas traduzem as características da arquitetura marroquina ancestral, com paredes erguidas com tijolos de adobe (feitos cum uma mistura de argila, estrume e palha).

Próximo à cidade de Ouarzazate existem diversos kasbah. O mais famosos é o Aït Benhaddou, por ser o maior e ter servido como locação para diversos filmes, como  “Lawrence da Arábia” (1962), “Jesus de Nazaré” (1977), “A Múmia” (1999), “Gladiador” (2000) e “Alexandre” (2004). Erguido no século 17, tinha grande importância por ser posot de comércio das rotas comerciais entre o Deserto do Saara e Marrakesh.

Reduto do pashá

Um dos mais preservados de Marrocos, o Kasbah Telouete foi construído pelo pashá Thami El Glaoui, que foi um dos principais aliados dos colonizadores franceses. Este alinhamento com os estrangeiros o tornaram um dos homens mais poderosos de Marrocos: cobrava dízimo dos produtores de amêndoas, açafrão, azeitonas e até (segundo diziam) das prostitutas de Marrakesh. Perdeu força com os movimentos de independência e morreu em 1956.

Deserto pedregoso

Ir de Ouarzazate a Merzouga, uma distância de 670 quilômetros, significa passar por terras literalmente desertas. Mas a estrada atravessa um território onde o solo é coberto por pedras, e não por dunas de areia. O hamada (deserto pedregoso) é uma imensidão vazia até onde a vista alcança, não se vê uma viva alma. São quilômetros e quilômetros ao mesmo tempo monótonos e instigantes, uma paisagem que impressiona pela vastidão e por ser completamente diferente de tudo o que um viajante ocidental está acostumado a ver.

O que eventualmente quebra esta monotonia é a passagem de um ou outro pastor —de cordeiro ou camelos— que, sem cerimônia, atravessa a pista com seus animais. O calor e a distância (a rodovia parece nunca ter fim) tornam a jornada cansativa, mas, ainda assim, o viajante precisa perceber que se trata de uma experiência inédita e inesquecível e deve aproveitar cada minuto dela.

No fim da estrada, uma aldeia

Após centenas de quilômetros e muitas horas ao volante, chega-se a Merzouga. No passado, o lugar era um mero ponto de parada para nômades berberes descansarem antes de seguirem viagem pelo deserto, por conta do lago Dayet Sriji — é o famoso oásis no deserto.

Com o passar do tempo, acabou se transformando em aldeia e, depois, tornou-se uma cidade — pequena até hoje. É o último povoamento humano antes do Deserto do Saara, fica a apenas 20 quilômetros da Argélia —país que abriga a maior parte do deserto.

Assim, o viajante tem uma imagem espetacular ao chegar a Merzouga. A estrada simplesmente termina e, pela frente, só se vê areia. Na lateral da rodovia está a cidade, com sua mesquita, casas e hotéis.

É de Merzouga que os visitantes partes para os passeios pelo Deserto do Saara, em uma região chamada Erg Chebbi. Diz a lenda berbere que uma rica família recusou abrigo para uma pobre mulher e seu filho e, como castigo, Deus os enterrou em montes de areia.

É possível conhecer esta porção do Deserto do Saara contratando um passeio com guias locais. Uma parte do percursos é feita em veículos 4 x 4 e o restante em camelos. Há a opção de ir apenas acompanhar o nascer do sol ou pernoitar — em uma cabana típica berbere ou instalações modernas e suntuosas.

Percorrer esta porção do Deserto do Saara mais próxima à civilização é uma experiência única. Apesar de não ter o mesmo grau de dificuldade enfrentado pelos antigos nômades berberes, ainda assim dá para ter a exata dimensão da grandiosidade do deserto e das dificuldades que impõe aos seres humanos.

Não há nenhum ponto de referência para orientar o visitante que não está familiarizado com o lugar. O cenário é praticamente idêntico, por mais que se avance: dunas e mais dunas.

Andar pelo deserto traz diversos ensinamentos. Entre eles, dar a exata dimensão do que representamos no universo. Somos apenas um grão de areia do deserto.

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