D-76 da Humanidade
Coronavírus

O D-76 da Humanidade

Marco Santana*

Num passado não muito distante, havia no curso de Jornalismo uma matéria chamada “Laboratório fotográfico”, na qual se aprendia a revelar filmes e ampliar cópias. Numa das primeiras aulas, o professor demonstrou, como num passe de mágica, as imagens aparecendo no papel após imersas numa bacia com um produto químico. Era o D-76. Não por acaso, conhecido como revelador.

Na vida, há sempre um D-76. Um fato específico, um momento decisivo, um frame da existência que determina a mudança radical de alguma coisa. É certo que as grandes revoluções (políticas, de comportamento etc) são processos, podem levar anos e até décadas, mas em todas elas há um instante crucial, um “turning point”, um ponto de virada.

O revelador deste momento da humanidade é o Covid-19. Logo no início da pandemia, um amigo meu otimista me disse que as pessoas iriam ter algum aprendizado, que o surto global faria florescer sentimentos nobres como fraternidade e tolerância. Sem temer parecer pessimista, devolvi-lhe: a pandemia vai mostrar como as pessoas realmente são. Quem é generoso continuará sendo —talvez até aperfeiçoe esta prática. Quem tem alma sebosa continuará sendo —e também pode se aprimorar na canalhice.

As pessoas agem na pandemia como os ocupantes do Titanic afundando. Os resignados músicos da orquestra continuaram tocando, a tripulação buscou salvar os passageiros, o mocinho tentou salvar a mocinha e o crápula da situação burlou as regras (técnicas e éticas),  pegando uma criança desconhecida no colo para poder entrar em um dos botes de salvamento e preservar a própria pele.

São nos momentos de crise que cada um de nós revela quem realmente é.

Máscara no queixo, colocar vidas em risco para “salvar a economia”, carteirada, gripezinha, remédio contra vermes (mas sem eficácia para o covid-19) como “tratamento precoce”, questionamento de vacinas…

É certo que a pandemia vai passar. O que não se sabe quando e quais sequelas deixará. O grande ensinamento é despertar a percepção para os facínoras que sempre estiveram em nosso convívio, mas permaneciam ocultos dentro do armário.

Depois que tudo isso passar tentarão retornar ao armário, posando de “cidadãos de bem”. Fique atento! Vão estar na futebolzinho de fim de semana, no cafezinho de fim de tarde com as amigas, no seu ambiente de trabalho, no almoço familiar.

Mas nós saberemos o que fizeram na pandemia passada.

*Este artigo foi publicado no jornal A Tribuna, a convite da editora-chefe, Arminda Augusto, e posteriormente integrou o e-book “Marcas da pandemia

http://acervo.maven.com.br/pub/tribunadesantos/index3/index.jsp?edicao=12864&code=1615581199142&fbclid=IwAR0SXegyFqwRySWTt7izA2ZR2Zqtm8DTvH3SPtIQjtq6XRkSHMpevzLq3Qg#page/103

LEIA MAIS:

Com Bolsonaro, Brasil se tornou um país tóxico

Em 2020, Bolsonaro recusou a compra de 400 milhões de doses de vacina contra Covid-19

Você pode gostar também

Mais em:Coronavírus

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *