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No coração do Brasil, Jalapão reúne contrastes de paisagens

Quando Guimarães Rosa viu a paisagem exuberante disse ao cabra que estava ao seu lado: “Me segura que eu vou ter um troço”. Não teve. Mas o cenário daquelas terras certamente o inspirou a escrever uma obra-prima da literatura brasileira: “Grande Sertão: Veredas”.

Ele viu buritis imponentes, árvores de galhos secos e retorcidos, capins de diversos tamanhos e matizes, chapadas, dunas, falésias, rios caudalosos e uma quantidade generosa de bichos – corujas, papagaios, lobos-guarás, veados-do-mato, cobras, mutucas…

Esta área em que a paisagem muda drástica e rapidamente conforme o viajante a percorre é o Jalapão, uma região no estado do Tocantins praticamente intocada, desde a época de seu surgimento, há cerca de 100 milhões de anos, no chamado Período Cretáceo.

O nome deriva da jalapa, uma planta cujo tubérculo (batata) era imersa na cachaça. Os sertanejos acreditavam que ela tinha propriedades vermífugas e a capacidade de “afinar o sangue”. Quando já estavam pra lá de Bagdá, os homens queriam uma dose dupla de pinga e então pediam um “jalapão”.

Deserto de gente

A fama de “deserto brasileiro” nada tem a ver com uma suposta aridez da região, já que ela é coberta por vigorosa vegetação e banhada por muitos rios. Um deles, o Rio Novo, que nasce na Serra do Meio e vai até a Ilha da Capivara (tudo no Jalapão), percorrendo 170 km, é um dos maiores do mundo em volume de água potável.

O Jalapão é árido mesmo da presença de pessoas: em um território de 34.103 km2, existem apenas oito municípios (Ponte Alta, Mateiros, Novo Acordo, Lizarda, Rio Sono, São Felix, Lagoa e Santa Tereza), onde vivem cerca de 26 mil habitantes, o que faz a região ter uma das menores densidades demográficas do mundo: 0,8 habitante por km.

A cidade de Ponte Alta, que fica a 300 km de Palmas (capital de Tocantins) é considerada a porta de entrada do Jalapão. É de lá que partem as expedições para conhecer patrimônios da natureza como o Fervedouro, a Serra do Espírito Santo, as cachoeiras da Velha e da Formiga, as dezenas de praias de rio e comunidades quilombolas que produzem artesanato com o capim dourado.

Mosaico de paisagens

Para conhecer este verdadeiro mosaico de ecossistemas, onde a paisagem muda radicalmente em questão de quilômetros, é preciso ser acompanhado por uma guia credenciado, já que o Jalapão encontra-se em áreas de preservação ambiental, previstas em leis estaduais e federais.

Um platô com 300 metros de altura, onde se chega após percorrer uma trilha de aproximadamente um quilômetro. De lá de cima, tem-se uma visão privilegiada de todo o Jalapão, onde se percebe a vastidão da área e a variedade de paisagens. Destaque para a Pedra do Urubu, onde se pode tirar fotos à beira de um abismo – mas com segurança.

Nos passeios, são indispensáveis protetor solar, óculos escuros e boné (o sol não dá trégua, chegando a 38 graus), repelente (as mutucas, espécie de moscas de até 2 cm que picam e fazem coçar e inchar imediatamente, são infernais!) e sunga ou biquíni (para aproveitar os rios, lagos e cachoeiras).

Os trajetos são percorridos em carros com tração nas quatro rodas, o que faz as distâncias parecer maiores do que realmente são. Água encanada, energia elétrica e sinal para telefone celular? Esqueça! Faça um exercício de desapego do mundo moderno.

Canyon de Suçuapara

Por uma fenda entre as rochas, verte um pequeno curso de água gelada, que proporciona uma vigorosa hidromassagem no visitante. Para chegar a ela, desce-se por uma trilha, que permite a visão do corte longitudinal de uma vereda (como se o solo fosse fatiado igual a um bolo), mostrando as árvores, o subsolo e a água que verte por cipós, para formar rios subterrâneos.

Veredas

São considerados verdadeiros oásis em meio à vegetação árida do cerrado. No meio do nada, onde se revezam vegetação rasteiras e árvores de galhos secos e retorcidos, encontramos pequenos grupos de árvores de grande porte e folhas bem verdes. São áreas onde as diversas espécies animais, sobretudo pássaros, encontram um local ideal para abrigo, alimentação e procriação.

Praticamente todas as veredas possuem buriti, um tipo de palmeira, que é chamada de “árvore da vida”, por sua capacidade de irrigar o ambiente. Cada buriti é capaz de absorver até 192 litros de água da chuva por dia, armazenando no solo, como se fosse uma esponja gigante.

Nas épocas de seca, esta água armazenada alimenta 99% dos rios do Jalapão. Foi este vigor da natureza, e o modo como o sertanejo convive com ela, que inspirou João Guimarães Rosa a escrever algumas das páginas mais bonitas da literatura brasileira, “Grande Sertão: Veredas”.

Dunas

Grandes porções de areia dourada, que se formam após ser trazida pelo vento das encostas da Serra do Espírito Santo, a 10 quilômetros de distância. De lá, tem-se uma visão única do por-do-sol.

Rio Novo

Com 170 km de extensão, é um dos maiores rios de água potável do mundo. Sua água cristalina permite observar a areia clara em seu fundo e dezenas de peixes. É utilizado para a canoagem e rafting.

Cachoeira da Formiga

Uma pequena queda d´água em uma verdadeira piscina natural que parece azulejos verdes-claros no fundo.

Poço do Fervedouro

Poço do Fervedouro

Com cerca de três metros de diâmetro, cercado por bananeiras, abriga a nascente subterrânea de um rio, cuja pressão faz a areia ficar permanentemente em suspensão (imagine um copo de água com sal sendo permanentemente mexido) e impede a pessoa de afundar. Trata-se de um fenômeno chamado “ressurgência das águas” —o mesmo que ocorre no Mar Morto, só que lá, em vez de areia, é com sal.

Como a densidade de água com areia em suspensão é maior do que a do corpo humano, a pessoa não afunda. Este fervedouro encontra-se em propriedade privada, cujo dono, Conceição Alves, o “Ceiça”, cobra R$ 5 para a entrada e, para que não vire bagunça, limita o acesso ao poço a seis pessoas por vez.

Cachoeira da Velha

Cachoeira da Velha

Uma queda d´água com 20 metros de altura e 90 metros de largura, que garante uma visão inesquecível.

Serra do Espírito Santo

Um platô com 300 metros de altura, onde se chega após percorrer uma trilha de aproximadamente um quilômetro. De lá de cima, tem-se uma visão privilegiada de todo o Jalapão, onde se percebe a vastidão da área e a variedade de paisagens. Destaque para a Pedra do Urubu, onde se pode tirar fotos à beira de um abismo – mas com segurança.

Prainha da Cachoeira, Jalapão

Prainha da cachoeira

Local de águas rasas, transparentes e tranquilas. Há espaço para camping.

Capim Dourado, Jalapão

Capim Dourado

O Jalapão é o único lugar do mundo onde nasce o capim dourado. Pesquisadores da Universidade Federal de Goiás já tentaram cultivar a espécie nas proximidades de Palmas, capital do Tocantins, sem sucesso. Com a palha da planta, se faz brincos, colares, pulseiras e diversos outros tipos de artesanato.

Uma lei estadual proíbe que se extraia do Jalapão o capim “in natura”, reservando a exclusividade da produção de artesanato aos moradores da região, a sua maioria quilombolas (descendentes de negros que se refugiaram em quilombos, antes da Abolição da Escravatura).

O artesanato com o uso do capim dourado foi ensinado por índios, para a confecção de utensílios do dia a dia, como vasos, pequenos tapetes e suportes para gamelas. As peças chamaram a atenção de participantes do Rally dos Sertões de 1998, que alertaram para a beleza e seu potencial comercial.

Em 2000, os moradores se organizaram e passaram a vender os produtos. Para evitar que seja extinto, o capim dourado só pode ser colhido entre 20 de setembro e 20 de novembro, sob pena de multa.

Capim Dourado, Jalapão

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