Armênio Mendes
Empresário da construção civil, foi o responsável de empreendimentos emblemáticos na cidade e milhares de unidades habitacionais.
Perfil

Armênio Mendes, o homem que dividiu a história de Santos em duas partes

Empresário da construção civil, que faleceu em 13 de outubro de 2017, foi o responsável de empreendimentos emblemáticos na cidade e milhares de unidades habitacionais.

Ousado, arrojado, desafiador. Prático e ao mesmo tempo sentimental. Dono de gostos sofisticados e também de hábitos simples. Calculista e intuitivo. A presença de Armênio Mendes foi emblemática na história da cidade: é possível estabelecer diferenças claras entre o que era a cidade antes e o que é depois dele.

Sob sua batuta e olho atento, o Grupo Mendes construiu mais de 10 mil apartamentos residenciais e mais de 330 mil m² de área comercial, como os shoppings Miramar, Praiamar e Brisamar e o Centro de Convenções de Santos.

Diante do império erguido por Armênio Mendes fica difícil imaginar o jovem recém-chegado de Portugal, após uma viagem de navio de 11 dias, em 1963, que se instalou no distrito de Vicente de Carvalho. Primeiro com uma oficina de bicicleta que funcionava 24 horas por dia, depois com um caminhão, que ajudou a carregar aterro.

Armênio Mendes e Santos

Em 1968, mudou-se para Santos e começou a investir na construção civil. Foi andando pelas ruas, observando, que procurou inspiração. “Procurava coisas bonitas para copiar, não tinha dinheiro para errar”, disse Armênio, em entrevista ao Jornal da Orla, em 2013.

O grande impulso de sua vida empresarial se deu com a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH), em 1967. O governo financiava o mutuário e Armênio recebia à vista. Vendeu um prédio inteiro em menos de 30 dias. Com o dinheiro, construiu outros. Vendia rápido e construía mais, numa proporção geométrica. Em poucos anos, a Miramar se tornava uma das maiores construtoras da cidade.

Guardava, como uma espécie de amuleto e prova de seu triunfo, a réplica de um dos livros de registros de imóveis do 10º Cartório de Notas de 1986, totalmente preenchido apenas com escrituras de imóveis construídos por ele. Naquele ano foram mais de 500 unidades residenciais, 80 delas em São Vicente e as demais em Santos. No ano seguinte inaugurou o Miramar, o primeiro shopping vertical da cidade.

Das unidades habitacionais, passou aos grandes empreendimentos comerciais. Símbolo de sua ousadia e visão de oportunidade, viu num grupo de terrenos assimétricos e dispostos em formas irregulares (mas geminados) a possibilidade de erguer um complexo no coração do Gonzaga, com um shopping center, dois hotéis e um conjunto de escritórios. “O pessoal achava que era loucura fazer um shopping com dois andares, eu resolvi ampliá-lo e coloquei três”, dizia. Apesar do ceticismo de muita gente, o Miramar foi inaugurado em 9 de junho de 1987.  “Sempre dei muito valor à minha intuição. É preciso acreditar naquilo que se faz, não dar ouvidos aos pessimistas. Cada desafio proposto estimula para novos desafios”, dizia.

Era em aspectos aparentemente banais que se evidenciava seu caráter inovador. Foi ele quem começou a fazer maquetes de prédios gigantescas, para os padrões de então -tendência depois seguida por outros empreendedores. “As pessoas que vão comprar querem ver como que vai ser. Em miniatura não dá para ter noção de nada”, argumentava.

Armênio mantinha hábitos simples para uma pessoa com a sua fortuna, como dirigir o próprio carro ou andar a pé sozinho, sem seguranças, mas também gostava de prazeres sofisticados, como fumar charutos. Chegou a abrir uma charutaria logo na entrada do shopping Praimar, onde saboreava seus cubanos e batia papo com amigos.

Armênio Mendes não se limitava a tocar as próprias obras. Ao sentir-se incomodado com algo que não ia bem, buscava dar sua colaboração pessoal. Foi assim com o Consulado Português em Santos, a Beneficência Portuguesa (onde foi presidente do Conselho Deliberativo) e até mesmo por intermédio de doações para obras públicas — caso da reforma do Teatro Coliseu e a construção do Museu Pelé.

Na política, mantinha diálogo com representantes de diversos tendências ideológicas, do petista Fausto Figueira ao então malufista Beto Mansur (quem, por conta do sotaque lusitano que preservava, acabava chamando de “Veto”).  As prestações de contas de campanhas eleitorais revelavam que ele colaborava com candidatos de diversos matizes. Nos últimos pleitos, sem querer, Armênio antecipou o fim do financiamento empresarial de campanhas, antes de ser proibido por lei. Estrategicamente, “fugia” para Portugal poucos meses antes da eleição, para escapar do assédio voraz de candidatos.

Em 2004, decidiu participar pessoalmente de uma eleição, como candidato a vice-prefeito de Santos, na chapa encabeçada pelo advogado Vicente Cascione. Ficaram em terceiro lugar, com 36.744 votos naquela eleição polarizada em que João Paulo Tavares Papa derrotou Telma de Souza por apenas 1.171 votos.

Em 2000, se envolveu numa polêmica envolvendo o terreno onde foi construído o Shopping Praiamar, na Aparecida. Havia a suspeita de irregularidades no contrato de permuta de áreas, pertencentes ao INSS: em troca do terreno na Aparecida que abrigava campos de futebol de várzea, o empresário adquiriria áreas e construiria postos do INSS nas cidades onde o órgão indicasse. O caso foi arquivado, por falta de indícios para se iniciar uma investigação, e revelou uma disputa interna dentro do próprio INSS.

Os empreendimentos mais recentes de Armênio foram a reconstrução das sedes de clubes em dificuldades financeiras. Foram reerguidos das cinzas o Vasco da Gama, o Saldanha e o Brasil Futebol Clube. O próximo seria o Regatas Santista. “Não preciso mais trabalhar por dinheiro, são os desafios que me motivam”, justificava.

Armênio Mendes lutava contra um câncer no fígado, que surgiu em decorrência de uma hepatite C. A doença o afastou do seu característico ritmo frenético de trabalho. Ia ao escritório apenas uma vez por semana, mas, ainda assim, fazia questão de estar a par de todas as atividades do grupo, como o último empreendimento que entregou, o Praiamar Corporate.

Os amigos e familiares relatam a tristeza silenciosa de Armênio pelo fato de o corpo não mais acompanhar a mente inquieta do empreendedor.

Numa entrevista concedida em 2013, o empresário garantia ter tudo planejado para os próximos dez anos e brincava: “Certamente, Deus vai me manter aqui estes próximos 10 anos para eu honrar os meus compromissos todos. E, a cada ano que for passando, vou acrescentando alguma coisa a mais, que é para Deus não me levar”.

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