Violência sexual
Conversa Dura

Violência sexual contra crianças e aborto não são debatidos

Brasileiro prefere ignorar que problemas existem, enquanto o número de vítimas é escandaloso

O episódio envolvendo uma criança de 10 anos estuprada pelo tio e submetida a um aborto, como manda a lei, trouxe à tona, mais uma vez, um assunto delicado que a grande maioria da população brasileira prefere simplesmente negar que ele existe.

A cada 15 minutos, uma menina com até 13 anos é estuprada no Brasil.

Por dia, são realizados seis procedimentos de interrupção de gravidez em meninas entre 10 e 14 anos, vítimas de estupro.

No Brasil, ocorrem por ano 26 mil partos de crianças com idades entre 10 e 14 anos.

Os números de abortos e estupros, extraídos do Anuário Brasileiro de Segurança Pública e Sistema de Informações Hospitalares do SUS, do Ministério da Saúde, ocultam ainda os casos não notificados.

Na grande maioria das vezes, o autor do estupro não é um desconhecido, mas uma pessoas do círculo de relacionamento da criança: o padastro, o tio, o pai, o avô, o vizinho, o amigo dos pais…

Fundamentos religiosos impedem que o assunto seja tratado da maneira como deve: no âmbito da saúde, assistência social e segurança pública.

Pesquisa do instituto Ipsos feita em vários países revela que o Brasil é o segundo do mundo mais refratário a discutir o tema —o primeiro é a medieval Malásia. Apenas 16% da população concorda que o aborto “deve ser permitido sempre que uma mulher assim o desejar”. Nos países europeus, esse índice é de 58% e na América do Norte, 47%.

Cultura do estupro

O aborto é a terceira maior causa de mortes de mulheres no Brasil. A cada dois dias, uma mulher morre por consequência de procedimentos clandestinos.

Segundo a advogada Thaís Périco, vice-presidente da Comissão de Apoio às Vítimas de Violência da OAB de Santos, o caso desta menina de 10 anos traz à tona a necessidade de discutir a questão do aborto no Brasil. “As mulheres que querem abortar vão abortar, de acordo com suas possibilidades. Mulheres brancas, ricas, vão até a Colômbia ou Uruguai fazer o procedimento, ou mesmo contratar uma equipe clínica de primeira linha que vai atuar de forma clandestina. Já a mulher pobre vai comprar um comprimido abortivo ou se submeter a um procedimento num fundo de quintal, sem as mínimas condições de higiene. Muitas vezes, ela compra o comprimido pela internet, mas ele não funciona, pois é de farinha. Aí ela pega uma agulha de crochê e provoca o autoaborto”, argumenta.

“Quando a gente fala em legalização do procedimento, a gente busca a implantação de políticas públicas, criação de hospitais de referência”, completa.

Qual a solução?

E estratégia mais eficaz quando se fala em aborto é evitar a gravidez indesejada, fazendo com que as mulheres tenham acesso a métodos contraceptivos eficazes e ações para prevenir a violência sexual.

Especialista defende educação sexual desde cedo

A psicopedagoga Christiane Andrea defende que é preciso oferecer educação sexual desde cedo — e isso não tem nada a ver com “ensinar a fazer sexo”.  “A criança precisa saber sobre o seu corpo e como se proteger desde cedo. Ensinar os nomes das partes íntimas e que ninguém deve tocá-las pode ser ensinado no banho durante uma brincadeira”, explica.

Segundo ela, é preciso estabelecer uma relação de confiança para que a criança se sinta à vontade e denuncie um eventual abuso. “Não é dizer todo dia: ‘se acontecer alguma coisa você tem que contar para a mamãe ou o papai’. É dar espaço para a criança perguntar, ser ouvida e sentir se à vontade de falar sobre qualquer coisa”, orienta Andrea, que é autora do livro “Livro Vamos conversar? Sobre violência infantil”.

Pedofilia não é crime

Diferente do que o senso comum imagina, a pedofilia não é crime, mas sim uma doença, um transtorno psicológico classificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo código CID 10 – F65.4. É um distúrbio parafílico, isto é, comportamento sexual que não segue a normalidade, como a necrofilia (o desejo de ter relações sexuais com cadáveres) ou a zoofilia (o desejo sexual por animais).

Por ser uma doença crônica, deve ser tratada com o acompanhamento próximo de um psiquiatra e uso de medicamentos. Caso o tratamento seja feito adequadamente, o pedófilo pode nunca vir a cometer um crime sexual. Para facilitar o entendimento, especialistas costumam comparar o distúrbio a outros problemas crônicos como alcoolismo e diabetes.

Crimes sexuais

Manter relação sexual com menor de 14 anos é, sim, crime, previsto no Artigo 217-A do Código Penal. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a grande maioria dos autores de estupro não têm qualquer transtorno psíquico, isto é, têm plena capacidade de entendimento do significado de seus atos e, portanto, devem ser punidos com o rigor da lei.

“O que move estes criminosos é a estrutura machista de nossa sociedade, que os faz pensar que podem abusar de corpos alheios para satisfazer às suas vontades”, afirma Thaís Périco.

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