Sociedade

Um mundo de mentiras

Mais absurda que a falsidade em si é a capacidade de muita gente acreditar em Fake News e, pior, compartilhá-las em uma proporção e velocidade incontroláveis

É inacreditável como muitas pessoas, em pleno século 21, acreditam em mentiras e, pior, colaboram para espalhá-las. Em tempos de internet, as notícias falsas ganharam um termo em idioma estrangeiro para designar uma coisa que existe desde que o mundo é mundo, mas agora ganhou uma proporção incalculável: Fake News. Assim, todo dia passou a ser Dia da Mentira, não apenas 1º de Abril. Mas o que leva tantas pessoas a acreditar e disseminar inverdades, principalmente pelas redes sociais?

Crenças pessoais

Primeiramente, e talvez o fator mais decisivo, é a dinâmica de a pessoa só crer e espalhar naquilo que ela gostaria que fosse verdade, ou que reforça as suas crenças. Repare: ninguém compartilha uma informação da qual discorda ou que desmente uma informação que ela julgava ser verdadeira. Ao contrário, deleta. Espalhar aquilo que ela imagina que seja “a verdade” serve para reforçar suas crenças pessoais, mesmo que elas não tenham correspondência com o mundo real, a verossimilhança, as leis de causa e efeito.

Comodidade

Em segundo lugar, a facilidade de disseminar esta (falsa) informação. Compartilhar está na ponta dos dedos, em qualquer lugar, a qualquer momento, na sua zona de conforto. O filósofo italiano Umberto Eco, que ao longo de sua vida desenvolveu um consistente trabalho de estudo da comunicação humana mas que ficou mais famoso por ser autor do livro “O nome da Rosa”, resumiu a gravidade da situação: “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel”, declarou, em palestra na Universidade de Turim, em 2015, um ano antes de sua morte. Eco acrescentou que a TV já havia colocado o “idiota da aldeia” em um patamar no qual ele se sentia superior. “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”, completou.

Um levantamento feito pela Agência Lupa (especializada em checagem de dados) mostra o tamanho do estrago: nos dois primeiros meses que antecederam o primeiro turno da eleição do ano passado, as dez notícias falsas mais populares da internet, juntas, foram compartilhadas cerca de 865 mil no Facebook. A mentira campeã foi a de que a vereadora Marielle Franco (assassinada no Rio de Janeiro) seria namorada de um traficante (360 mil compartilhamentos).

Confiança

Um terceiro fator importante é a confiança que a pessoa tem em quem enviou a mensagem. Um amigo, parente, colega de trabalho… Uma pesquisa realizada pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), sobre a disseminação de uma Fake News, revelou que 51% das pessoas receberam a mentira em grupos de família no WhatsApp; 32%, em grupos de amigos; 9% em grupos de colegas de trabalho e 9% em grupos ou mensagens diretas.

É assim que são divulgados absurdos como o que vacina provocaria autismo; creches estariam distribuindo mamadeiras com bico em formato de pênis; o planeta terra é plano…

Além das pessoas próximas, também tem influência decisiva sites e blogs que divulgam ideais que a pessoa também defende. Por se apresentarem como veículos de comunicação “sérios”, acabam transmitindo uma pretensa credibilidade. Neste processo de ludibriação, utilizam nomes aparentemente acima de qualquer suspeita: “Diário do Brasil”, “Correio do Poder”, “Jornal do País” e “Imprensa Viva” são alguns dos sites comprovadamente flagrados disseminando notícias falsas, que tiveram conteúdos retirados por decisão judicial ou foram totalmente desativados.

Tecnologia

Recentes avanços tecnológicos aumentaram o alcance das mensagens, tanto as de conteúdo verdadeira quanto (e principalmente) as Fake News. Primeiro, por conta do aperfeiçoamento dos chamados algoritmos de redes sociais como o Facebook: programas coletam e analisam os dados do internauta e “selecionam” as mensagens que tenham mais afinidades com ele —o pressuposto de mostrar informações “mais interessantes”. Assim, acabam aparecendo, na tela da pessoa, postagens que reforçam as suas convicções. Por exemplo: no Facebook de um bolsonarista aparecerá muito mais postagens anti-PT, contra a esquerda, contra o desarmamento etc.

Outro aspecto determinante é a ação de robôs (os chamados “bots”): programas que criam perfil falsos (conta no Facebook, Twitter e Instagram de gente que não existe) e compartilham informações falsas em ritmo alucinante. Analistas de segurança de dados de vários países são unânimes em afirmar que a ação de bots propagando informações falsas foram decisivas na votação do Brexit (a saída do Reino Unido da Comunidade Europeia), na eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos e na de Jair Bolsonaro presidente do Brasil.

Levantamento feito pela revista Veja às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial mostrou que 71% das contas mais ativas do Twitter no Brasil faziam campanha maciça em favor de Bolsonaro. Logo após as eleições, estes perfis foram desativados. De acordo com o Instituto InternetLab, cerca de 33% dos seguidores de Bolsonaro no Twitter durante a disputa do ano passado eram de perfil falsos e 70% das publicações com mensagens positivas ao então candidato foram disparadas por robôs.

A existência de robôs foi comprovada em diversas ocasiões. A mais gritante foi o caso de uma matéria do jornal Folha de S. Paulo intitulada “Joalheria quer competir com obras de arte pelo bolso dos super-ricos”. Os robôs interpretaram que a palavra “bolso” se referia ao candidato e publicaram uma enxurrada de ataques: “cadê as provas @folha? Não tem né? Porque não existem!”. A reportagem abordava o mercado de joias e os robôs a serviço da campanha de Bolsonaro consideraram que seria uma reportagem sobre… o uso de bots na eleição!

A campanha de Jair Bolsonaro  também é suspeita de ter se utilizado do disparo em massa de mensagens pelo WhatsApp. A estimativa é o chamado impulsionamento tenha enviado cerca de 120 milhões de mensagens, no auge da corrida eleitoral. O Ministério Público e a Polícia Federal abriram procedimentos para apurar o caso, mas as investigações foram suspensas com a eleição de Bolsonaro.

Vacina contra as Fake News

O jornalista Rafael Mota elaborou um curso online gratuito em que orienta como as pessoas podem se “vacinar” contra notícias falsas. As aulas estão disponíveis em seu site. Abaixo, ele relaciona cinco dicas para ajudar qualquer pessoa a reconhecer e evitar o compartilhamento de “Fake News”:

  1. Não aperte o botão de compartilhar para tudo que cair na sua tela;
  2. Procure saber como surgiu a informação. Pergunte para quem lhe mandou. Se essa pessoa não souber, faça uma pesquisa. Se não achar de jeito nenhum, não repasse;
  3. Caso você confirme que a informação é falsa, não tenha medo de ser chato: desminta;
  4. É verdadeira? Interessa a outras pessoas? Então, compartilhe para valer. E, se conseguir, complemente com mais informações;
  5. Repassou uma notícia falsa? Corrija e informe para quem puder que se engano

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