reveillon na laje
Comunidades pacificadas no Rio de Janeiro, como a Pavão-Pavãozinho organizam festas de réveillon em lajes, com vista privilegiada
Experiências

Réveillon na laje de morro carioca cativa turistas

Acompanhar a queima de fogos do réveillon na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, já é um espetáculo deslumbrante. Mas, para um grupo de 30 turistas, a festa da virada foi uma experiência inesquecível. Eles assistiram ao show pirotécnico em uma laje na favela Pavão-Pavãozinho, comunidade localizada sobre um morro, entre as badaladas praias de Copacabana e Ipanema, na zona sul carioca.

De uma altura equivalente a 80 andares, vê-se toda a orla de Copacabana, do Forte ao Leme, e o mar de gente —cerca de 2 milhões de pessoas. E também pôde-se avistar o Pão de Açúcar e a vizinha Niterói . No mar, nada menos que nove navios de cruzeiro e dezenas de embarcações menores.

A visita dos turistas à comunidade é resultado do empenho de Daniel Plá, professor de empreendedorismo da Fundação Getúlio Vargas, que desenvolve um trabalho social com os moradores do núcleo, com o objetivo de fazê-los obter renda por conta própria. Todo o dinheiro obtido da atividade será revertida aos próprios moradores.

Esta foi a segunda vez que Plá levou um grupo de turistas à favela, que conta com uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) desde dezembro de 2009. Cada visitante pagou R$ 250 para ter acesso à laje de dona Azelina Viana dos Santos, de 77 anos —62 morando no morro.

Turistas percorrem vielas em favela

A subida à comunidade foi iniciada às 22h30, pelo moderno elevador panorâmico instalado na rua Barão da Torre. Iluminado, confortável e ágil, ele leva à entrada da favela, onde se começa a perceber o contraste com os prédios luxuosos do asfalto da zona sul, que ficou lá embaixo.

Vestindo camisetas estampada com uma foto do réveillon do ano passado e a frase “Reveillon – Festa na Laje 2011”, os visitantes passam por escadarias estreitas, pouco iluminadas, úmidas e fedorentas, espremidas por moradias minúsculas e precárias que parecem desafiar as regras da engenharia.

Os turistas demonstram uma certa tensão logo na subida dos primeiros degraus, que aos poucos vai desaparecendo, à medida que sobem e são recepcionados por moradores sorridentes.

—Feliz Ano Novo!

— Happy New Year!— arrisca um moleque, cujo corte de cabelo chama a atenção pelos desenhos alegres e ousados.

A sensação de segurança ganha força quando os turistas cruzam com um grupo de policiais —uma situação improvável pouco mais de um ano atrás, quando o tráfico de drogas dominava a área.

O grupo para em uma primeira birosca (uma das dezenas existentes no verdadeiro labirinto de becos e degraus), onde brindam e posam para fotos. A mais entusiasmada é a colombiana Heidi Jalkh, que dispara sua máquina freneticamente.

O clima de alegria dos moradores, diante da proximidade do Ano Novo, contagia os visitantes. O grupo visita várias moradias, cujas lajes oferecem vistas panorâmicas invejáveis para qualquer turista ou morador abonado.

O tempo ajuda e, ao contrário do que diziam os boletins meteorológicos, não chove. Tem-se a visão completa da orla de Copacabana, com seu pipocar de flashes fotográficos e os primeiros, mas tímidos, fogos de artifício disparados avulsamente por anônimos. Olhando-se para o morro, as janelas dos barracos formam um verdadeiro mosaico quadriculado de luzes —um espetáculo exclusivo do cenário carioca.

Pelos becos mal iluminados e rústicos, chama a atenção o forte cheiro de esgoto, a quantidade de crianças e as pessoas de aparência castigada: marcas de expressão acentuadas e roupas humildes. Mas há também moças e rapazes perfumados e devidamente alinhados, com vestidos e bermudas vistosas.

Em uma das casas, transformada em salão de beleza, a moça termina o seu penteado, aparentando não se importar com a proximidade da meia-noite.

—Vai dar tempo de terminar?

—Tem que dar. Quero entrar no Ano Novo bonita para ficar bonita o ano inteiro.

Os turistas encontram outro grupo de policiais, curiosamente ao lado de uma parede com pichação de protesto à instalação da Unidade de Polícia Pacificadora na comunidade.

Após uma severa caminhada por escadarias íngremes, o grupo finalmente chega à residência de dona Azelina e sua filha, Valdete. Trata-se de uma casa ampla, para os padrões do lugar. No pavimento principal, o que parece ser um salão de festas abriga uma grande mesa com comidas e muitas pessoas —são parentes, amigos e vizinhos de dona Azelina.

Uma escadinha íngreme e estreita dá acesso à laje. Nela, uma visão de fazer inveja: o mar, os prédios, um tapete de gente sobre a areia, o Pão de Açúcar.

Faltam poucos minutos para a meia-noite. Os turistas se divertem ao som de um grupo de ritmistas do próprio morro, devidamente uniformizados com a camiseta do evento.

A festa chega ao seu ponto alto: a queima de fogos emociona os visitantes. O casal Ana Paula Soeiro e Hugo Maas acompanha, abraçado, o espetáculo. “Este é um dia inesquecível nas nossas vidas”, tenta traduzir em palavras Ana Paula.

Para celebrar o momento e lembrar o resgate da tranqüilidade na favela, dona Azelina solta uma pompa que, em um primeiro voo, cisma em pousar logo em seguida, na cabeça de um morador. Em uma segunda tentava, a ave ganha os céus.

Daniel Plá abre uma garrafa de Veuve Clicquot, a cobiçada champanhe francesa que é presença certa nas festas mais gramurosas da zona zul carioca. Dona Azelina distribui rabanadas e salgadinhos para seus convidados. No salão de baixo, o som rola solto.

Um pouco após as 2 horas, o grupo desce o morro, com sorrisos fáceis nas faces e uma boa história para contar aos netos.

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