mais armas, mais corpos
Aumento de assassinatos está diretamente ligado ao número de armas
Sociedade

Mais armas, mais corpos

Não é preciso ser especialista para concluir que os dois rapazes que promoveram uma chacina na escola Raul Brasil, em Suzano, em março de 2019, eram psicopatas. E vão render intermináveis discussões os motivos que os levaram a cometer a atrocidade: desagregação familiar, bullying, influência de videogames que incentivam a violência, fórum de discussões na internet (deep web) que fomentam discursos de ódio, transtorno mental, índole… A resposta escorrerá pelos dedos de quem tentar encontrar uma explicação definitiva. Mas o ponto mais palpável na tragédia — e que merece uma séria e profunda reflexão — é o quanto a facilidade de acesso a armas de fogo pode tornar episódios como o de quarta-feira (13) cada vez mais frequentes no Brasil.

 

Rotina americana

Casos de jovens que invadem escolas para promover uma execução em massa são comuns nos Estados Unidos, e cada vez mais frequentes. No ano passado, foram 25 tiroteios, que deixaram 113 vítimas fatais, no país governado por Donald Trump. O número de episódios sangrentos foi maior nos primeiros 18 anos deste século do que em todo o século 20. O mais emblemático de todos foi o ocorrido em 1999, na cidade de Columbine, que deixou 13 pessoas (12 alunos e um professor) mortos e outras 21 feridas a bala.

Este ataque inspirou outros acontecidos no Brasil: além deste em Suzano, também outro em Realengo, em 2011 (12 mortes), e um em Goiânia, em 2017 (duas mortes).

 

Acesso a armas

A quantidade e a letalidade destes ataques estão diretamente ligadas ao nível de facilidade de acesso a armas de fogo. “Esses casos são muito mais comuns e frequentes nos Estados Unidos, quase semanais, pelo simples fato de que o acesso a armas de fogo é muito maior”, argumenta Bruno Langeani, especialista em segurança pública do Instituto Sou da Paz. A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, reforça: “O fato de só um ter um revólver mostra a dificuldade que eles [os assassinos de Suzano] tiveram de acessar armamento. Tanto é que precisaram encontrar soluções alternativas”, argumenta, referindo-se à machadinha e à besta usada no massacre. “A conta é muito simples: quanto mais armas, mais homicídios”, completa.

Especialistas em segurança pública temem justamente o aumento de casos desta natureza, com a entrada em vigor do decreto presidencial que facilita a posse de armas. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) dimensiona o problema: o aumento de 1% de armas de fogo legais eleva em até 2% a taxa de homicídio.

Mesmo antes do decreto assinado por Jair Bolsonaro, o número de registro de armas no Brasil já vinha aumentando ano após ano. Em 2007, foram registradas 3.901 novas armas para pessoas físicas; em 2017, foram 33.031 — um crescimento de 744,7% em uma década. Até o fim do ano passado, havia 328.893 armas registradas legalmente. Os dados, da Polícia Federal, foram obtidos pelo Instituto Sou da Paz, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

No entanto, o Fórum Nacional de Segurança estima que existam 8,6 milhões de armas ilegais no Brasil. Se a situação já é preocupante, a tendência é piorar. Os especialistas da entidade alertam que o número de armas legais deve triplicar em quatro anos — e a de ilegais, também.

 

Podia ter sido pior

A tragédia na escola Ramos Brasil podia ser muito pior caso a legislação brasileira sobre a compra de armas fosse tão permissível quanto a dos Estados Unidos. Matheus Henrique Castro, de 25 anos cumpria todos os requisitos para poder ser proprietário de armas (maior de 21 anos, sem antecedentes criminais ou histórico de distúrbio mental etc), inclusive de maior poder ofensivo, como fuzis e metralhadoras.

 

Recorde de assassinatos

O Brasil é um dos países mais violentos do mundo, com números de homicídios muito superiores aos registrados em guerras. O Atlas da Violência 2018, documento produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica  Aplicada (Ipea) revela que 551 mil pessoas foram assassinadas entre 2006 e 2016. Em 2016, o número de homicídios bateu recorde: foram 62.517, um índice de 30,3 para cada 100 mil habitantes. 30 vezes maior que a taxa de homicídios na Europa.

O estudo mostra também que 71% dos assassinatos foram cometidos com armas de fogo. E entre estas, cerca de 30% destes homicídios tiveram não estão relacionadas a crimes contra o patrimônio, mas sim tiveram motivações interpessoais: o marido que matou a mulher, um vizinho de atirou no outro, uma briga de trânsito… “É a pessoa que perde a cabeça”, resume Daniel Cerqueira, um dos coordenadores do levantamento.

“Há um consenso, entre pesquisadores nacionais e internacionais, de que mais armas significa mais mortes. Uma arma dentro de casa conspira contra a segurança da família. A chance de um homicídio ou suicídio acontecer aumenta cinco vezes. Quanto mais armas as pessoas têm, mais armas são roubadas e extraviadas. Elas cairão na mão errada, no mercado ilegal”, alerta.

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