chef Eudes Assis
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Chef prepara pratos com ingredientes caiçaras e técnicas francesas

Taioba, cheirão-do-mato, ibisco, limão caiçara, maria-sem-vergonha.  Plantas praticamente desconhecidas pela maioria das pessoas são usadas com maestria pelo chef Eudes Assis. É a cozinha caiçara, que busca valorizar os ingredientes tipicamente locais, usando refinadas técnicas de cocção.

Chef Eudes faz questão de destacar as vantagens de se usar vegetais típicos da Mata Atlântica e espécies de peixes e frutos do mar desta parte da costa brasileira.

Eudes ressalta as propriedades das chamadas PANCs (Plantas Alimentícias Não-Convencionais), espécies vegetais que passam despercebidas, mas que possuem sabores intensos e grande valor nutricional.

Ele demonstrou na prática. Pega caroços de jaca cozidos, laminou e assou com azeite: estava pronta a “amêndoa do caiçara”. Também prepara um molho pesto com a folha da taioba, uma espécie de parente da couve-manteiga, típica da Mata Atlântica. Faz mousse de limão cravo com calda de jaboticaba na cachaça…

Superação e talento

O entusiasmo de Eudes pela cozinha caiçara vem de sua história de vida. Caçula de 14 irmãos, teve uma infância difícil, que o obrigou a começar a trabalhar aos 13 anos, para reforçar o orçamento familiar.

“Fui criado em Toque Toque Grande, no Litoral Norte. Comia peixe com banana, taioba, PANCs (Plantas Alimentícias Não-Convencionais). Fui criado assim. Morava num bananal, não tinha geladeira. Então, minha mãe guardava a carne na gordura para não estragar. Ela mal sabia, mas é uma técnica francesa milenar de conservar alimentos”, recorda.

Eudes aprendeu com a mãe a técnica de conservar alimentar com sal

Foi ajudante e pouco tempo depois já era cozinheiro. Quando tinha 17 anos, Luciano Bosegguia, chef do renomado restaurante Fasano, foi para o Litoral Norte e Eudes conseguiu uma vaga como auxiliar de cozinha. “Então, pedi para ele fazer um estágio no Fasano e consegui. Eu nunca tinha ido para São Paulo na minha vida, a primeira vez foi para fazer estágio em um dos melhores restaurantes do país”, relata.

Os horizontes começaram a se ampliar. Eudes percebeu a oportunidade e foi fundo. Fez o consagrado curso de gastronomia do Senac, em Águas de São Pedro, e diversos outros cursos. Em seguida, trabalhou em restaurantes importantes no Litoral Norte, como o Manacá e o Frei Jorge.

Nessa época, surgiu a vontade (e, por que não dizer, necessidade) de viajar, para conhecer a gastronomia de outros países. “Juntei dinheiro, comprei passagem e em 2002 fui para a Europa”.

Cursos no França

Fez dois cursos na renomada Le Cordon Bleu (a mais respeitada escola de gastronomia do mundo, na França), estagiou em restaurantes de Lyon, e fez curso no El Bulli, o extraordinário restaurante experimental do espanhol Ferran Adrià, eleito o melhor chef do mundo várias vezes.

O conhecimento gastronômico foi aumentando, mas ocorreu um episódio que mudou tudo: “Na Europa, eu me reunia com amigos e ficávamos cozinhando, comendo e bebendo muito. Quando todos estavam bêbados, começavam a brigar, quase saindo no braço. Cada um defendendo um ingrediente ou prato de seu país de origem. Então, eu pensei: quando eu voltar, vou fazer um restaurante de cozinha caiçara”, lembra.

Chef Ferran Adrià

Nessa época, Eudes viu um anúncio no jornal, informando que tinha um iate precisando de cozinheiro. “Ele estava em Mônaco, então eu fui para lá disputar a vaga. Tinha um monte de chefs, mais velhos que eu, também querendo. Para minha sorte, o dono do barco era brasileiro e eu consegui o trabalho. Fiquei cinco anos viajando, conheci 26 países”.

Essas viagens fortaleceram ainda mais a convicção de que é preciso cozinhar com os ingredientes locais. “No Caribe, era comida creolle. Não tinha pizza, hambúrguer”.

O fator decisivo para voltar definitivamente ao Brasil foi o nascimento de seu filho. Retornou e aceitou o convite de uma amiga para abrir um restaurante. A única exigência: “só se for de cozinha caiçara”.

E foi o que aconteceu. Começou a servir delícias como Pescada cambucu em crosta de banana da terra com pupunha grelhado, sorvete de tapioca e bolinho de taioba. O desempenho lhe rendeu os prêmios de Melhor Restaurante de Frutos do Mar, da revista Veja SP e Chef Revelação, da revista Prazeres da Mesa.

“O fundamental é valorizar os ingredientes locais: o peixe da época, taioba, inhame, os PANCs, e utilizá-los com técnica. Eu cozinho diferente da minha mãe. É saber escolher a espécie certa de peixe de acordo com o tipo de preparo, a hora exata de colocar o tomate para ele não ficar molenga…”, declara.

“Todo chef deve cozinhar bem. Cozinhar direito dá trabalho. Tem que ser rigoroso na aplicação da técnica e na quantidade de ingredientes: se a receita pede 240 gramas, são 240 gramas, não pode ser 250 ou 200 gramas, muito menos a olho”, alerta.

Responsabilidade social

Eudes diz que, além disso, o profissional de gastronomia tem que estar “antenado”, preocupado com o social, a economia local de onde vive, com a sustentabilidade.”Eu cozinho com corvina, sororoca, pescada, o peixe que o mar me dá. Peixe bom é peixe fresco. Hoje em dia, tem muita gente que prefere esse peixe pango ou então robalo, mas isso tem um custo ambiental muito alto. O bacana é ir comprar do pescador”.

Aliás, a responsabilidade social de Eudes Assis vai além da cozinha. Ele é um entusiasta do projeto Buscapé, uma iniciativa da Polícia Militar que oferece diversas atividades artísticas e esportivas para crianças carentes. Além de ele mesmo dar aulas, Eudes traz colegas de peso para participar, como o chef Alex Atala.

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