Araquém Alcântara
Perfil

Araquém Alcântara, mestre da fotografia de natureza

Seu Manuel achou bonito o nome do pai de Iracema, personagem do livro de José Alencar, e batizou o filho de Araquém -apesar dos protestos da mulher, Maria. Talvez não soubesse o significado do nome, “a grande ave”, e certamente não imaginava que o filho alcançaria voos estratosféricos e intercontinentais.

Apesar de nascido em Florianópolis, foi outra ilha que moldou a personalidade de Araquém Alcântara, um dos maiores fotógrafos de natureza do planeta. Foi em Santos onde este verdadeiro poeta da luz teve experiências marcantes, que o jogaram no mundo da fotografia.

Foi onde assistiu ao filme “A ilha nua”, do japonês Kaneto Shindô, exibida pelo cinéfilo francês Maurice Legeard.

Onde fez a primeira foto. Garoto, pegou emprestado uma máquina fotográfica de uma amiga e foi até a Boca registrar o show de uma das boates. Passou a noite petrificado e não fez um único disparo. Voltando para a casa, já amanhecendo, no ponto do ônibus, uma puta viu a câmera e disparou: “Quer fotografar? Fotografa aqui!”. Levantou a saia e mostrou o sexo. Ato reflexo: click!

Onde registrou uma sequência de fotos de um urubu, na frente de uma peixaria. A ave pousou na calçada e um menino de uns 3 anos se encantou e tentou afagá-la. Rapidamente, homens que estavam na peixaria saíram e espantaram o bicho.

Menino observa urubu, uma das primeiras fotos de Araquém Alcântara
Menino observa urubu, uma das primeiras fotos de Araquém Alcântara

“São episódios que permanecem na minha retina e ajudaram a me moldar no que sou hoje”, lembra Araquém Alcântara,nascido em 1951e vigor adolescente.

Décadas se passaram. Foram passagens brilhantes por jornais como “Tribuna de Santos”, Jornal da Tarde”  e “Preto no Branco”, trabalhos para publicações prestigiadas como a “National Geographic”. Andanças por todos os parques nacionais do Brasil, a Amazônia, o Pantanal, as chapadas, os lençóis maranhenses, praias…

Milhares de quilômetros, milhões de fotogramas, prêmios e dezenas livros publicados não fazem a vida de Araquém “a grande ave” Alcântara mais fácil na hora de editar uma nova obra.

Cortar na própria carne

O processo de edição não é nada fácil. De milhares de registros, ele inicialmente peneira algumas centenas. Depois, chegou a dezenas, que compõem a publicação. “Escolher foto é cortar na própria carne, um exercício doloroso”, diz. “Mas também é a necessidade de fazer a narrativa ser um corte de faca de sushiman”.

Ele que se explique: “Você tem que pegar as fotografias, escolher, ampliar e colar na parede. Tem que imprimir, não pode só ficar vendo na tela do computador. Colocar todas juntas, como se estivessem em um livro. Olhar, olhar, olhar… Repare! Depois, jogue fora o que não agradar muito. Aquilo que ficar, você separa. Tem que aprender a discernir a foto boa da ruim”.

Paciência e contemplação

“O fotógrafo de natureza selvagem, por exemplo, perde 99% de suas fotos. Mas aquele 1% corrige tudo, compensa o resto. Todo o desconforto, o peso do equipamento, picadas de insetos, as caminhadas, a comida ruim”.

“O fotógrafo tem que exercitar a paciência e a contemplação. Tem que exercitar o xamanismo, tem que acreditar que a foto vai rolar, que o bicho vai aparecer. Já trombei com bichos, com cenas fantásticas, mas que perdi a foto porque não estava pronto. Estar pronto é ser mais rápido que o bicho, é virar bicho! Nessa caminhada você amadurece como ser humano e suas imagens vão refletindo isso”.

“Tem uma frase do Guimarães Rosa que diz: ‘Para aprender da pedra, frequentá-la. Se quer conhecer a Amazônia, você tem que fazer uma imersão nela. Não adianta ir ali no Mercado Ver-o-Peso, fazer como alguns cozinheiros, que falam da Amazônia como se soubessem e cometem barbaridades’.”

A MIRA E O ALVO

Texto de Araquém Alcântara)

O verdadeiro fotógrafo da natureza, como de resto qualquer fotógrafo, deve escolher o caminho com o coração e nele viajar incansavelmente, contemplando como pessoa inteira tudo o que é vivo. Absolutamente íntegro, sem propósito a alcançar, sem submissão a regras e fórmulas, sem necessidade de parecer brilhante ou original. Só assim, autêntico e livre, pode captar o espírito criador em movimento e criar coisas belas”.

Aquele que mergulha na viagem do ver tem que estar sempre com as portas da percepção abertas. Sabe que, diante do eterno, precisa esquecer de si próprio. A criação é o que importa, gesto fundamental, caminho de conhecimento, poderosa arma de encontrar o mundo.

O ato criativo é contínuo e sem fim.  A prática sempre renovada de contemplar humaniza a visão, anula verdades, permite a inventividade, realça o eu interior.

A recompensa é a experimentação mística do encontro com a beleza. O fotógrafo sente, neste momento fugaz, algo parecido com o “satori” hindu, um momento de revelação, um indefinido e maravilhoso prazer.

Nesta respeitosa relação consigo mesmo, o fotógrafo cria algo de original e significativo, com espontaneidade e fluência. O observador se confunde com a coisa observada, o vazio se instaura. O que estava contido volta a pulsar, o que antes era pressentimento agora é realização. A pureza do seu diálogo lhe diz que na verdade, por mais fotos que faça, por mais poeira que tire dos olhos, continuará andando solitário com sua câmera. Mas ele também sabe que está aprendendo outra arte bem maior: a arte de não ser coisa alguma, de não ser mais que o nada, de dissolver-se a si próprio no vazio entre o céu e a terra “.

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