No pais das sombras longas
Comportamento

A treta no iglu revela a regra do jogo da vida

No meu primeiro dia de aula de Antropologia na Universidade de São Paulo, a professora (que, honestamente, não recordo o nome) indicou a leitura de “No país das sombras longas”, livro que relata as aventuras do esquimó Ernenek e sua família, e o contato com homens brancos de outras culturas.

“Prestem atenção na parte em que o esquimó recebe o homem branco em seu iglu”, alertou a mestra.

Apesar de ser uma obra de ficção, “No país das sombras longas” é baseado em observações antropológicas reais. Escrito por Hans Ruesch, o livro descreve com precisão as particularidades da cultura esquimó — hábitos sociais, sexuais, alimentares, crenças religiosas e práticas médicas de um povo que vive em situações extremas.

Confesso que achei a narrativa um tanto boba, mas percebi que a professora escolheu uma obra fácil, pois era o primeiro contato com a literatura de um curso instigante e ao mesmo tempo denso. Depois, viriam obras de pesos-pesados como Lévy-Strauss, Malinowski e Radcliffe-Brown.

A tal parte do iglu relatava a convite do esquimó Ernenet para se abrir em seu iglu. Primeiro, ofereceu larvas frescas para o homem branco e ele, expressando repugnância, recusa. Em seguida, o esquimó lhe dá carne curtida, mas, para os padrões ocidentais, “estragada”. O homem branco morde um pedaço e em seguida cospe, por conta do paladar ruim.

No país das sombras longas

Ernenek, que já estava ressabiado, fica bravo. Afinal, estava fazendo o máximo para agradar o visitante — um tradição da esquimó. Tinha oferecido larvas fresquinhas e saborosas, carne guardada para uma ocasião especial, e o estrangeiro recusava com grande desprezo. O esquimó fez uma última tentativa: ofereceu a própria esposa para fazer sexo com o homem branco.

O estrangeiro recusou. Aquilo foi demais para Ernenek. Desprezar sua hospitalidade, alimento e até mesmo a companheira era o insulto máximo para o esquimó, que aprendeu estes valores, passados de pai para filho por gerações, desde pequeno.

Possesso, Ernenek agarrou o homem branco e bateu sua cabeça na parede do iglu, até matá-lo.

No ato entendi a intenção da professora. Esta passagem de “No país das sombras longas”, define perfeitamente qual o principal conceito da antropologia: entender que cada grupo social tem regras próprias, valores e crenças, e entender como elas funcionam passa por respeitá-las. Trata-se de evitar o etnocentrismo, modo de pensar que acredita que o o grupo social ao qual o sujeito pertence (etnia ou nação) é superior aos demais.

Reconhecer as diferenças, perceber estas características e respeitá-las é como que entender “a regra do jogo” das relações humanas. No ditado popular, “não medir os outros com a própria régua”.

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