Neurocientistas e arquitetos estudam a relação entre o cérebro e a decoração, em busca da felicidade
Comportamento

A arquitetura da felicidade

O modo de construir e decorar um ambiente interfere diretamente na maneira como a pessoa vai se comportar nele — em poucas palavras, se será mais ou menos feliz. E isso tem a ver, cada vez menos, com valores subjetivos como beleza, conforto e praticidade, e mais ao modo como o lugar estimula nosso cérebro.

Atualmente, mais profissionais do segmento recorrem à neuroarquitetura, na busca de explicações científicas para soluções encontradas anteriormente por acaso ou na base da intuição e empirismo. Estudos recentes indicam que o uso de determinados recursos de arquitetura, design e decoração estimulam a atividade de diversas áreas do cérebro, favorecendo a sensação de bem estar.

“Não é exagero esperar da arquitetura um refúgio não só físico, mas também psicológico. Toda vez que chegamos na nossa casa, nos completamos, nos encontramos psicologicamente. Intuitivamente, as pessoas organizam a casa com coisas das quais gosta, vai colocando sem pensar. Esse tipo de arquitetura potencializa isso, na maneira de organizar, de fazer cada detalhe do ambiente pensando na sua felicidade, no seu prazer”, explica a arquiteta Carla Felippe.

Trata-se da Arquitetura da Felicidade, conceito criado pelo filósofo suíço Allain de Botton, autor de um livro e um documentário do mesmo nome. Botton defende que a residência de uma pessoa deve refletir tanto o que ela gosta quanto o que lhe falta, deve transmitir aconchego e abrigar seus valores e memórias. Além disso, precisa refletir a época em que vivemos, nosso estilo de vida, a interação entre tecnologia e o contato com a natureza. “O mundo mudou e a arquitetura deve seguir suas transformações”, diz.

Isso significa também evitar de se recriar a arquitetura antiga, o pastiche, isto é, a “reprodução nada convincente de estilos do passado”. Ele exemplifica com um caso no Japão, onde foi construído um conjunto habitacional inteiro com construções típicas da Holanda, sem nenhuma conexão com o passado oriental.

Em busca da felicidade

Os ambientes devem ser organizados para proporcionar segurança, conforto e alegria. Numa palavra, felicidade. E este sentimento influencia diretamente nas relações familiares, nos convívios sociais e até mesmo na produtividade profissional.  Assim, não pode ser fruto do acaso ou gosto subjetivo opções como alturas de pé direito, cores no ambiente, formas e materiais de móveis, tipos e texturas de objetos, intensidade de luz, formato e tamanho de janelas. Estas características vão gerar a ativação de diferentes áreas cerebrais e, consequentemente, comportamentos específicos.

Por exemplo: ambientes baixos e apertados dão a sensação de sufocamento, criando sensações negativas como angústia e tensão. O uso de fotos (famílias, amigos, celebrações, viagens) ou mesmo recordações (souvenires de viagens) também ajudam a despertar a memória afetiva e, consequentemente, levar à sensação de bem estar.

Neuroarquitetura

Atuando em conjunto, neurocientistas e arquitetos chegaram a conclusões surpreendentes ao pesquisar as reações cerebrais em contato com diferentes ambientes. O mapeamento cerebral, através de ressonância magnética e eletrodos, revela que algumas partes especificas do cérebro foram acionadas de modos distintos de acordo com a situação: ambientes fechados ou muito abertos; muito claros, escuros ou com muita cor; objetos familiares próximos, distantes ou mesmo ausentes.

Segundo estudos obtidos por neuroimagem, a preferência pelas curvas está associada ao afeto, pois ativa áreas cerebrais de processamento emocional. Há também pesquisas que revelam a preferência inconsciente por materiais brilhosos.

Pesquisas indicam que o comportamento, as sensações e sentimentos mudam de acordo com o estímulo e isso está relacionado ao aumento ou supressão de determinados hormônios.

Iluminação

A arquiteta Carla Felippe explica que o tipo e intensidade da iluminação podem influenciar a atividade cerebral e, consequentemente, o comportamento da pessoa. “A escuridão é um requisito para a gente produzir a melatonina, que é o hormônio do sono. A gente só produz quando escurece. Se fizermos um exame, as nossas células têm de 3 a 10 vezes mais melatonina à noite. Quando o ser humano vivia na natureza, isso era normal. Mas, com a luz elétrica, isso muda, a iluminação artificial passa a interferir na reação natural do organismo”.

Nos primórdios, a luz do entardecer indicava ao ser humano o fim de mais um dia e o início do período de relaxamento e descanso. Com a luz artificial, esta gradação deixa de acontecer e o organismo ainda fica sob estímulo. “Por isso, quando chega em casa depois de um dia atribulado, a pessoa vai querer algo que tranquilize, não vai querer uma iluminação rock and roll, cheia de força, mas sim uma iluminação bossa nova”. Ela recomenda não centralizar o acionamento de todas as luzes em um único interruptor. “É preciso acender parte das luzes”.

Sono e melatonina

Segundo a arquiteta, a dificuldade de uma pessoa pegar no sono pode estar relacionada à intensidade da luz. Uma iluminação intensa impede a produção de melatonina. “Diminuir a incidência de luz faz começar a produzir a melatonina”.

A qualidade do sono interfere diretamente no ânimo da pessoa no dia seguinte, pois está relacionada à produção de outro hormônio. “Quando você dorme a noite inteira, muitas horas exposto à escuridão, vai produzir muita melatonina. De manhã, ao receber a luz do sol, toda a melatonina que conseguiu produzir vai se transformar em serotonina, que é o hormônio do bom humor”.

No meio da noite, para evitar a interrupção brusca na produção de melatonina e, consequentemente afugentar o sono, ela sugere a instalação de “luzes de cortesia” na residência. “Quando você acordar para ir ao banheiro ou ir tomar uma água e não ser exposto a um choque de luz, e também não correr o risco de esbarrar, tropeçar, cair na escuridão total, é bom colocar pontos delicados de luz, próximos ao chão, algumas fitas de LED na cozinha, para que não pare sua produção de melatonina. Você só desacelera e volta a dormir. Se acender uma luz fluorescente no meio da noite, não conseguirá voltar a dormir tão rápido. Sua melatonina pensou: amanheceu”.

 Luz do sol e artificial

A arquiteta explica que a iluminação mais confortável para o ser humano é a incandescente, pois reproduz a cor do sol. “O LED e a luz fluorescente fazem o olhar piscar menos vezes, deixa a pessoa em alerta. A escolha da luz flourescente em ambientes corporativos não se explica apenas pela questão da economia. É uma luz que deixa a pessoa mais atenta, aumenta a produção, mas também causa mais estresse. Ficar oito horas por dia exposto a essa luz é suportável, mas depois chegar em casa e tê-la em todos os ambientes já é demasiado, vai causar irritabilidade”.

Ela indica a instalação de, no ambiente de descanso, de uma iluminação que permita ao olho piscar mais. “Uma luz mais fraca, com menos intensidade vai fazer se sentir mais relaxado e também começar a produzir melatonina”.

Natureza

O uso de materiais ou recursos que remetem à natureza tendem a trazer sentimentos positivos. “No nosso DNA, temos a informação de que a natureza é o nosso ambiente. Por milhões de anos, de geração em geração, essa informação vem. Então, a escolha por fibras naturais, grandes vãos que deixam a luz natural entrar em casa, ambientes mais livres de tantas coisas para se tropeçar, madeira, paisagismo, sons suaves. Às vezes você está longe do mar, mas se puder colocar imagens do mar vai lhe remeter a esta lembrança. Plantas dão a sensação de tempo, de regar, colher, de mudança. É uma coisa confortável”, explica Carla Felippe.

Segundo ela, existem estudos que indicam que em ambientes naturais, como uma floresta, a pressão arterial diminui e aumenta o nível de glóbulos brancos, que são responsáveis pela defesa do organismo.

Cores

A escolha de cores (e sua intensidade) também influenciam no comportamento humano. “Quando estamos expostos ao vermelho, a frequência cardíaca aumenta. Não à toa, muita gente diz que essa cor é afrodisíaca.  Mas se pintar o quarto todo de vermelho, fica exposto demais a este estímulo e está sujeito a mais irritabilidade. Para ser agradável, a gente precisa ter um pico dessa sensação e depois voltar a ser agradável”.

Há também cores relaxantes, como azul e verde. Segundo ela, comprar pratos verdes ou um restaurante verde são péssimas ideias, porque esta cor diminui a produção de suco gástrico. “O prazer de comer diminui”, diz. Já as cores amarelo, laranja e mesmo vermelho são estimulantes dessa sensação de prazer. “A cor não é decisiva para dar fome, mas é algo mais. É como estar todo bonito para ir a uma festa e colocar um perfume. É completar uma situação”.

Ela exemplifica com o caso do Mc Donalds. “Eles usam cores estimulantes para que a pessoa compre por impulso, e também usam cadeiras muito desconfortáveis, duras, fixas. É um ambiente estimulante para ir e ao mesmo tempo repelente, para não ficar muito tempo. Não é um local tranquilo, para você ficar conversando, não tem uma proteção acústica, um som suave, nada disso”.

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